O papa Francisco cumprimenta os fiéis após celebrar uma missa na pequena Igreja de Santa Anna, em Roma |
No apogeu do papado medieval, Inocêncio 3º (século 13) tinha poder de excomungar
e depor reis, interditar o paraíso a um país inteiro, convocar cruzadas contra
heréticos e islâmicos e liderar concílios que movimentavam toda a geopolítica
europeia.
Na verdade, Inocêncio fez quase tudo isso. Dono de um poder
internacional enorme, o bispo de Roma representava o topo simbólico de uma longa
cadeia de mandos.
A julgar pela imprensa, nada mudou depois de 800 anos. A renúncia de um papa
e a eleição de outro hipnotizou quase toda mídia ocidental. Mas... as notícias
anteriores indicavam uma igreja numericamente em declínio. Havia escândalos
sexuais e financeiros por todo lado. Mesmo assim, o conclave de 2013 recebeu
atenção ainda maior do que em 2005 ou 1978. O que aconteceu?
No mundo líquido atual, uma instituição com quase 2.000 anos chama atenção.
Pompa, hierarquia e pretensão metafísica combinadas são quase insuperáveis. A
capilarização da igreja ainda é notável, das paróquias aos orfanatos,
especialmente no Brasil. Para o bem e para o mal, a terra de Santa Cruz foi
concebida católica. Sua maior cidade, São Paulo, foi batizada pela ordem do
atual papa Francisco, os jesuítas.
O conclave de 2013 surpreendeu com um papa argentino e da Companhia de Jesus.
Há lições do episódio. Os jornais torciam abertamente por um brasileiro, como o
fez a imprensa das Filipinas. Isso mostra o ranço nacionalista.
Mas, esqueceram-se de sondar os eleitores, cuja lógica só pode ser decifrada
pelos afrescos de Michelangelo na Capela Sistina. Os "papabili" da imprensa não
coincidiram com os dos votos purpurados.
Nacionalismo é fato do 19; ontem para a
Igreja Católica. A lição deveria ser entendida: esse grupo vê, mas não joga para
a torcida, mesmo sendo ainda a maior torcida do planeta.
Segunda lição: a Igreja Católica não está numa crise; ela vive numa crise
desde sua origem. Denúncias de pedofilia seriam piores do que o papa Júlio 3º
viver em meio a garotos de programa? Escândalos financeiros atuais seriam
maiores do que a ousadia de Leão 10º para vender indulgências? O conservadorismo
atual seria mais denso do que o do beato Pio 9º, que considerou até a democracia
condenável?
Aparentemente, o repertório histórico do papado faz com que seja impossível
criar nova virtude ou vício que já não tenha um predecessor mais notável. A
igreja vive e sobrevive entre crises. O balanço do barquinho na tempestade do
mar da Galileia virou ciclone constante. E "la nave va"... Talvez o niilismo
contemporâneo talvez seja atraído por fundamentalismos, ou até os estimule.
Última lição do conclave: a Igreja Católica e o papado despertam emoções
polares. Os que já a amavam destacam que o papa pegava transporte público e
cozinhava sua comida. Seria humildade, como se canalhas não pudessem estar num
metrô ou serem cozinheiros.
Os detratores trouxeram à tona conhecidas denúncias sobre as relações de
Bergoglio com a ditadura argentina. Seus inimigos e fãs apenas continuam
alimentando o fogo das vaidades e, querendo ou não, mantêm a igreja no lugar que
ela mais deseja: no centro da mídia.
Profetas canhestros determinaram que o último pontífice seria o "papa negro".
O superior geral dos jesuítas tinha esse título não oficial. O hábito da ordem
de Inácio era dessa cor. Um papa jesuíta, e ainda sendo o último da lista de são
Malaquias, só pode indicar o fim dos tempos. Os maias estão desacreditados nesse
campo.
Cumpre-se uma ironia que não escapará ao humor tupiniquim: a Igreja Católica
sobreviveu a tudo, menos a um argentino. Iremos ao apocalipse com esse sorriso
nos lábios.
Mas, se o mundo não acabar (como teima em fazê-lo), iremos a novo conclave.
Haverá apostas certeiras sobre as chances enormes de um cardeal brasileiro, de
um africano e do conhecido arcebispo de Milão... Deve ser melancólico ser
eterno.
LEANDRO KARNAL, 50, é professor de história na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de "Teatro da Fé" (Hucitec)
e "Conversas com um Jovem Professor" (Contexto)
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Acesso: 18/03/13
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