Cabo Bruno, líder do mais famoso grupo de extermínio da década de 1980 em São Paulo, após 27 anos de prisão
Flávio Costa, de Taubaté (SP)RECOMEÇO
Cabo Bruno, ao lado da mulher, Dayse, na quinta-feira 30, durante culto
evangélico, o primeiro registro após a saída da prisão. No detalhe, em 1998
evangélico, o primeiro registro após a saída da prisão. No detalhe, em 1998
Na noite fria da quinta-feira 30 de agosto, o culto na Igreja
Pentecostal Refúgio em Cristo reunia pouco mais de 30 pessoas, a maioria
mulheres e crianças, acomodadas nas cadeiras de plástico do templo
localizado ao lado de um terreno baldio no bairro da Fonte Imaculada, em
Taubaté – cidade distante 130 quilômetros de São Paulo.
De calça social
e jaquetão, o rosto vincado por rugas, um homem grisalho permanece
sentado na parte direita do púlpito com os olhos fechados. Até que
alguém o chama para pregar.
De fala cadenciada e dicção escorreita, ele conta parábolas, cita,
sem olhar a “Bíblia” à sua frente, versículos inteiros do Evangelho e se
permite uma confissão: a alegria de ter feito, pela primeira vez em
sete anos de relacionamento, as compras de supermercado com a mulher, a
pastora e cantora gospel Dayse França, 46 anos. Tal confidência
descortina o passado do orador. Faz apenas sete dias que Florisvaldo de
Oliveira, 53 anos, conhecido como Cabo Bruno, deixou a prisão, após 27
anos de cárcere.
As palavras do atual missionário são diametralmente opostas, em
conteúdo e tom, às proferidas por ele em 1984, quando liderava um grupo
de extermínio na zona sul da capital paulista.
À época, foragido da
Justiça, Cabo Bruno disse para as lentes de uma emissora de televisão:
“No começo, eu contava as pessoas que matava. Mas parei no 33 e acabei
perdendo a conta.
Acho que já passei de 50 mortes.” Contando com a
benemerência de comerciantes da região e sob o pretexto de combater o
“mal”, o ex-policial militar personificou, como nenhum outro antes ou
depois dele, a PM que mata, sem nenhuma possibilidade de defesa, os
supostos criminosos.
Ficaram célebres as execuções comandadas por ele,
que trafegava pela periferia paulista em carros escuros, a exemplo da
chacina em uma pequena oficina de móveis, onde seis jovens foram
assassinados a tiros. Por esse crime, foi condenado a 43 anos.
EXTERMÍNIO
Cabo Bruno disse que parou de contar na 33ª morte. Mas foram mais de 50, admitiu
Nos primeiros dias em liberdade, Cabo Bruno saiu pouco da casa
alugada por sua mulher em Pindamonhangaba – cidade vizinha a Taubaté –,
que divide também com os três enteados. Visitou amigos com os quais
deixou pertences em Pindamonhangaba e Taubaté, frequentou três cultos
evangélicos, conheceu parentes da esposa e foi a uma agência bancária.
As histórias do passado como policial militar ele se limitou a contar a
um dos enteados, sob o olhar incrédulo da pastora Dayse França, cujo
nome civil é Dayse Silva de Oliveira. “Eu não conheci o passado dele.
Para mim não existe Cabo Bruno, e sim o pastor”, afirma.
O casal se
conheceu há sete anos, quando a missionária foi realizar trabalho
comunitário na prisão onde Cabo Bruno cumpria pena. O casamento
completou quatro anos e, durante todo esse período, os dois se viam uma
vez por semana, durante as visitas. “Estamos convivendo pela primeira
vez, ainda em lua de mel”, diz Dayse, que fundou uma filial da Refúgio
em Cristo, no final de 2010. A Igreja Pentecostal tem matriz no Rio de
Janeiro.
Cabo Bruno não admite, mas está com medo. ISTOÉ apurou que uma
eventual morte dele é considerada um troféu valioso pelos líderes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), a principal organização criminosa do
Estado. “Sempre vai haver essa possibilidade (de vingança) e a gente
tenta evitar se expor ao máximo por causa disso. Eu não posso ficar só
escondido, eu acredito que o mesmo Deus que me protegeu até hoje vai
continuar me protegendo”, afirma.
Dayse conta que, nos primeiros dias
fora da cadeia, seu marido parecia incomodado, um pouco assustado, ainda
tentando se acostumar à sensação de liberdade. À ISTOÉ o ex-policial
revelou que passará o mês de setembro visitando parentes, a mãe e as
filhas que moram em São Paulo.
O atual missionário diz sonhar em viajar para pregar o Evangelho.
Quer ser chamado pelo apelido de infância, Bruno, sem a patente que lhe
deu fama de “Matador da Zona Sul”. Ele se esquiva a falar desse passado,
a não ser que seja por dinheiro.
ISTOÉ conversou rapidamente com Bruno,
em duas ocasiões – uma por telefone e outra na igreja. Nas duas
oportunidades, ele afirmou que uma entrevista mais longa seria feita
apenas sob remuneração, pois as anteriores apenas trouxeram prejuízo à
sua imagem.
Ele teria chegado a negociar com uma emissora de televisão, a
quem pediu R$ 50 mil, de acordo com seu advogado Fábio Tondati Ferreira
Jorge, mas a transação não foi adiante.
O dinheiro resultante de uma
entrevista seria usado para viagens missionárias e para se afastar de
potenciais inimigos, como reiterou à ISTOÉ sua mulher, Dayse. “Só vou me
expor e dar uma entrevista se for remunerada.
Por enquanto eu estou
podendo andar sossegado, o que está saindo na televisão são fotos
antigas, então as pessoas não podem me identificar”, afirma. Na
quinta-feira 30, durante o culto em Taubaté, ISTOÉ fez a primeira imagem
de Cabo Bruno após sua liberdade.
SOBREVIVÊNCIA
No isolamento da prisão, o ex-policial aprendeu a pintar e começou a comercializar
seus quadros, vendidos a R$ 1,5 mil cada. Entre seus clientes, juízes e promotores
Na prisão, após três fugas, houve a declarada conversão, a ponto de
Cabo Bruno se tornar o capelão do presídio – o que explica sua presença
no culto evangélico na noite da quinta-feira 30, uma de suas raras
saídas à rua após a liberdade.
Depois de falar por 15 minutos, sob
aplausos e salvas de “Aleluia!”, o ex-policial volta a se sentar,
postura ereta, mão sobre mão. Um homem presente ao culto pede a palavra e
o exorta a não se desviar do caminho da fé. “Quando a gente apaga algo
que está escrito a lápis sempre deixa vestígios no caderno.
Quando o
sangue de Cristo passa por cima não fica vestígio nenhum”, afirma o
fiel. Bruno segura a mão da mulher com força e parece chorar. Mantém-se
nessa posição durante o restante da celebração. Ao final, um dos
presentes se ajoelha e pede que o ex-policial o abençoe.
Ele segura a
cabeça do rapaz com força e diz palavras em voz baixa, por dois minutos.
“Meu principal chamado é ser este pastor, eu saí da prisão para isso”,
afirma à ISTOÉ.
Entre 1983 e 1990, Cabo Bruno fugiu por três vezes de penitenciárias
paulistas. Ficou detido em definitivo a partir de 1991. Desde então,
cumpriu ininterruptamente 21 anos de detenção, sendo os seis primeiros
na
Casa de Custódia de Taubaté, em regime de isolamento dos outros
presos. Neste período, sem direito a banho de sol por questões de
segurança, ele aprendeu a pintar quadros de paisagismo, cujas vendas
sustentavam sua família fora da prisão.
Agora em liberdade, o
ex-policial quer continuar a pintar quadros. Famoso colecionador de
obras de arte, o banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado por formação
de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta por conta da
quebra do Banco Santos, chegou a comprar dez obras de Cabo Bruno, no
valor de R$ 1,5 mil cada. Juízes e promotores e outras autoridades
também estão entre seus compradores. “Mas só vou me dedicar a pintar nas
horas vagas”, diz ele.
Em 2009, Bruno passou para o regime semiaberto no P2 em Tremembé, mas
saiu apenas uma vez, durante o último Dia do Pais, em 12 de agosto. No
último dia 21 de agosto, a juíza Marise Terra Pinto Bourgogne de Almeida
concedeu o indulto, com parecer favorável do Ministério Público.
A
libertação foi determinada com base no decreto 5.648/2011, da presidenta
Dilma Rousseff, que prevê a soltura de presos de bom comportamento que
cumpriram mais de 20 anos da pena.
Ele foi condenado a mais de 117 anos,
dos quais cumpriu um total de 27, mas, pela lei, não deve mais nada à
Justiça brasileira. Apesar disso, ainda se debate com seu incômodo
passado. “O que marca minha vida e que eu não gosto é Cabo Bruno.
Porque
faz parte dos processos, dessa coisa jurídica. Cabo Bruno é uma coisa
do passado, que para mim está morto. Essa história está enterrada”, diz o
ex-policial.
Foto: João Castellano/Ag. Istoé; Matuiti Mayezo e Fernando Santos/Folhapress; Hugo Sá Peixoto/Folhapress; Kathia
Tamanaha/AE
http://www.istoe.com.br/reportagens/235749_A+VIDA+EM+LIBERDADE?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage
Acesso 07/08/12
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