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A Igreja e o direito a honra e a imagem


Taís Amorim

Por todas as suas peculiaridades, a Igreja é e sempre será alvo de muitas manifestações, críticas, polêmicas, discussões. Muitas são as opiniões contrárias, mas muitas também são as favoráveis. Isso é natural. Não é a toa que já dizia o velho ‘ditado’: religião não se discute.

 É não é a toa que nossa Constituição Federal resguarda o direito à liberdade religiosa.
Como já tenho dito em outras oportunidades, a liberdade religiosa é um instituto extremamente peculiar e complexo.

Não há como imputar a ninguém uma ou outra crença, já que a liberdade religiosa inicia-se no mais íntimo de  cada indivíduo, onde somente Deus e a própria pessoa pode adentrar. No máximo, estamos sujeito às regras da exteriorização desta crença; do nosso direito à prática da fé. Mas crença, cada qual tem a sua.

E é exatamente nesse lugar de tantas diferenças, que a Igreja – e consequentemente seus líderes religiosos e seus membros – acabam sendo vítimas de ofensas à sua honra e sua imagem.

Percebo que o grande mote dessa questão se encontra em três situações chaves:

1 . O fato de a igreja arrecadar valores oriundos de doações e ser imune de impostos;

2. A atuação de seus líderes, tanto no que diz respeito à administração da igreja (especialmente usufruição em benefício próprio), quanto no que diz respeito  à própria doutrina da igreja e a relação com seus membros (doutrinas ‘estranhas’ e manipulação por conta da autoridade espiritual);

3. A postura dos membros (alienados, fanáticos, ignorantes).

Num país laico, onde cada qual tem o direito de ser respeitado no âmbito de sua prática religiosa, o que mais se vê é a inobservância dos princípios basilares do nosso direito, tampouco dos direitos constitucionais, quando o tema é religião, sobretudo a cristã/evangélica. Muito se fala sobre a postura dos cristãos frente à questões polêmicas como o aborto e homossexualismo,  mas, pouco se movimenta quando é a igreja que vê sua honra e imagem atacada.

Ora, a Igreja teve sua personalidade jurídica reconhecida em 1890, com a promulgação do Decreto 119A, até hoje em vigor e posteriormente recepcionado pelo Código Civil e ainda, pela Constituição Federal.

A Igreja tem legitimidade para atuar; tem obrigação de cumprir seus objetivos nos moldes da Lei e está sujeita a sanção por descumprimento de ordem legal. Do mesmo modo, os seus líderes/responsáveis, estão sujeitos à penalidades, se a finalidade da igreja for desvirtuada.

Esse é um primeiro aspecto, portanto, que entendo ser importante destacar. Não é abuso nem ilegalidade a igreja praticar seu objeto social e não pagar impostos por isso.

Vale dizer que a imunidade tributária aplicada à entidades religiosas (amparada pela Constituição Federal no artigo 150, Inc VI, b) tem seu nascedouro primeiro no fato de que, antes do Decreto 119A, a igreja não era separada do Estado e a tal ente cabia o dever de proporcionar a assistência espiritual aos cidadãos.

Ao se separar do Estado, a Igreja ganha o direito de se reunir independentemente, e, por transferir sua responsabilidade à um ente privado, o Estado, então, em recompensa, libera tais entidades do pagamento de impostos.

É o mesmo princípio aplicado às entidades do terceiro setor, que se iniciaram assumindo serviços que outrora cabiam ao Estado (como saúde e educação,por exemplo), que o Estado já não conseguia mais proporcionar.

E, um outro aspecto, é a liberdade religiosa no âmbito tributário. O Estado não pode vedar a atuação das entidades religiosas e a imposição do pagamento de impostos poderia ser uma restrição.

Pois bem, sabendo-se que a atuação da Igreja e o não pagamento de impostos é legal, o segundo aspecto a se observar é o que diz respeito à atuação dos líderes, enquanto responsáveis e com autonomia para gerirem os recursos e administrarem a igreja.

Existe, nos termos do artigo 44,
§1º do Código Civil, liberdade para criação e administração da igreja.  Portanto, o que temos é que também os líderes encontram respaldo legal para sua atuação, ressalvando-se, como acima já dito, a sujeição à penalidades por desvio de condutas.

E por fim, no que concerne aos membros, o que temos é a aplicação pura e simples do direito à liberdade de religião, amparado pelo artigo 5ª da Constituição Federal: “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Mas, todos esses direitos parecem cair por terra quando estão frente a outros direitos, apregoados  – vejam sópelo mesmo artigo que protege a liberdade religiosa: (artigo 5º da CF): ‘‘ IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; …IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;’’

Ora, o que faz com que tais incisos tenham mais força do que os demais, deste mesmo artigo? Porque se pode proteger a manifestação de pensamento e a expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, em detrimento à liberdade de culto e direito à proteção aos locais de culto e suas liturgias??

Ainda, no mesmo artigo 5º da nossa Carta Magna, temos o direito a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;E por que tal direito, assim como os outros acima citados, também parece se esvair diante do direito à ‘’informação’’ e a manifestação do pensamento”?

Ora, que força e que poder é esse que a informação e a manifestação do pensamento tem que consegue extrapolar os limites da lei, do bom senso e da razoabilidade, permitindo-se ir contra o direito a honra e a imagem das pessoas?

Sim, porque o que temos visto é que a Igreja tem tido sua honra e sua imagem devassada por pessoas que – na grande maioria das vezes – não sofreu qualquer prejuízo (seja de ordem moral ou  material) por parte da igreja, mas, simplesmente por serem ‘igrejas’  tem sido alvos de manifestações caluniosas, injuriosas e difamatórias.

Não se pretende restringir opiniões, mas sim frear aqueles que usam de inverdades para denegrir a imagem de igrejas e seus líderes. O ato de se emitir uma opinião, hoje em dia, tem sido substituído por juízo de valor, levando muitos a erro, vez que suscetíveis a informações muitas vezes equivocadas.

Claro, em qualquer segmento, temos pessoas de bem e outras nem tanto. Na igreja não há de ser diferente e não raro é fato que nos deparamos – infelizmente- com igrejas de fachadas. Mas eu falo aqui de igrejas sérias. Sérias em suas condutas e práticas administrativas.

No que tange às práticas eclesiásticas, não cabe a mim – e a ninguém – julgar, pois a multiforme graça de Deus é que permite diversas formas de pregação do evangelho e cada qual se adapta com a que mais lhe atrai.
O fato é que não raro igrejas tem sido atacadas em sua honra e imagem, simplesmente pelo fato de que os que a atacam não concordam com suas práticas eclesiásticas ou doutrina.

Mas, o cenário é tão desajustado, que, além de ser atacada em sua honra, a Igreja se vê refém de uma ‘justiça’ (covarde ou parcial?), que ainda a julga por tentar proteger a sua honra.

Não concordar com esta ou aquela prática religiosa, não concordar com a legislação aplicada às entidades religiosas, não professar da mesma fé ou simplesmente ter ‘aversão’ a cristãos/evangélicos não dá a ninguém o direito de atacar a honra da igreja ou de seus líderes.

Porque tem uma imagem a zelar, a igreja, embora pessoa jurídica, também pode ser vítima de ofensa à honra, e, nesse compasso, temos que a igreja também tem o direito de ver sua honra protegida. E, em contrapartida, a reparação civil pode-se mostrar como um caminho para se tolher atitudes de ofensa a honra.

Mas, de fato, o que se espera de um ordenamento jurídico equilibrado, é que no conflito de direitos, não só o bom senso seja aplicado, como também os princípios basilares de nosso direito, dentre os quais destaco os princípios da equanimidade e da imparcialidade, onde todas as partes terão o mesmo tratamento e o julgamento, nunca será parcial.

E se ainda assim não se for possível chegar a um bom resultado, fico com o pensamento do ilustre Eduardo Couture, que diz: “Teu Dever é lutar pelo direito, mas se encontrares
em conflito o direito e a justiça, lute pela justiça “.




Em seus anos de experiência no trato da organização legal das instituições eclesiásticas, a advogada Taís Amorim de Andrade Piccinini, construiu um vasto conhecimento dos princípios e ordenamentos jurídicos aplicados às igrejas, tornando-se especialista e referência na área do Direito Eclesiástico.

Visite: direitoeclesiastico.com.br     Acesso: 11/12/13    + Artigos - blog

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