Às vésperas do primeiro turno das eleições em 5.561 municípios de todo o país, a BBC Brasil ouviu especialistas para tentar dimensionar as relações entre a religião e o voto do brasileiro.
Fiéis oram em igreja evengélica em São Paulo; correntes religiosas dão apoio a candidatos |
Embora a opção religiosa e os valores morais atrelados a diferentes
grupos tenham sido temas recorrentes nas últimas campanhas eleitorais,
ainda há divergências entre cientistas políticos sobre o peso da
religião nas escolhas do eleitor.
Uma parte vê o cenário atual como indicador de padrões que devem se
fortalecer cada vez mais, tanto do "voto do fiel" como da ascensão
política dos evangélicos. Eles se baseiam em dados como os do último
censo do IBGE, que apontou um crescimento de 15,4% para 22,2% da
população evangélica no Brasil entre 2000 e 2010.
Trinta anos atrás, eles não eram mais do que 6,6% da população. E entre
as diversas vertentes evangélicas, os pentecostais são de longe a
maioria, com 60% dos fiéis.
"É uma tendência, é um crescimento exponencial. Veja a Marcha para Jesus
[que reuniu mais de 300 mil fiéis em São Paulo neste ano]. Os
evangélicos acumularam um capital político que não pode mais ser
ignorado. É uma presença consolidada e irreversível", analisa Eduardo
Oyakawa, professor de sociologia da religião da ESPM (Escola Superior de
Propaganda e Marketing).
Moral e consumo
O analista diz que os valores morais e a exclusão da sociedade de consumo estão no cerne do "voto evangélico".
"O voto em candidatos conservadores atrelados à religião se dá muito
mais por conta da identificação com um sistema de valores morais do que a
opção religiosa em si. Estamos falando de pessoas invisíveis no dia a
dia. Elas moram nas periferias das grandes metrópoles e não se sentem
protegidas pelo Estado. A dificuldade para ter acesso a bens de consumo
também colabora para que encontrem refúgio na religião".
Já Alberto Carlos Almeida, autor do livro A Cabeça do Eleitor,
diz que o principal fator na decisão dos eleitores é a avaliação dos
candidatos incumbentes, que estão deixando o cargo ou buscam reeleição.
"Sem dúvida, o desempenho do governo atual é o que decide uma eleição",
diz.
Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, usa o caso da eleição para
prefeito de São Paulo para relativizar a relação entre religião e opção
de voto.
Ela pondera o favoritismo do candidato Celso Russomano (PRB) entre os
evangélicos, e diz que embora o percentual seja maior, os fiéis também
apoiam os outros candidatos.
Uma pesquisa do Datafolha do início de setembro mostrou que o apoio dos
pentecostais aos principais candidatos estava distribuído da seguinte
forma: Russomano (PRB) tinha 45%, José Serra (PSDB) 17%, Fernando Haddad
(PT) 16% e Gabriel Chalita (PMDB) 6%.
"Se a religião fosse um fator tão crucial, ele teria 70%, 80% dos votos
entre os evangélicos", afirma, avaliando que as cifras não permitem
concluir que a religião foi determinante.
"Há muitas variáveis para você isolar somente a religião. É mais uma, sem dúvida, mas é difícil dizer que foi algo decisivo."
O gráfico abaixo é de autoria da ISTOÉ, que tem uma matéria sobre religião e política nas eleições de 2010
Diversidade
Alberto Carlos Almeida diz ver a presença maior da agenda pentecostal no debate eleitoral como algo natural.
"Trata-se de um cenário normal de maior pluralismo e diversidade de
forças políticas. É apenas mais um grupo, com sua bancada, seus
representantes e interesses", diz o pesquisador.
Ele diz que o panorama atual é esperado de uma sociedade em evolução.
"Há mais forças entrando em jogo, é natural. Agora, precisamos
diferenciar: uma coisa é o cenário político duradouro, outra coisa é o
processo de eleição".
"Ninguém provou até hoje, com dados concretos, que o eleitor está
decidindo seus candidatos porque eles se associam a determinadas
religiões."
Mas ainda que pesquisas não tenham conseguido determinar uma relação
clara entre religião e sucesso nas urnas, é cada mais vez recorrente a
associação de candidatos a forças religiosas.
A distribuição de apoio aos candidatos em São Paulo aponta ainda
discrepâncias entre os evangélicos pentecostais, que, em muitas
situações, mostram posições divergentes e rivalizam por fiéis.
Apesar da busca por apoio em diferentes grupos religiosos, é justamente
entre os pentecostais que a disputa política de maior destaque se
concentra, já que eles formam o grupo mais numeroso e poderoso dentro do
universo evangélico, com cinco igrejas dominando o cenário: Universal,
Assembleia de Deus, Renascer e Mundial do Poder de Deus.
Não por acaso a grande maioria dos 70 deputados federais e três
senadores que integram a bancada evangélica no Congresso pertencem a
esses cinco grupos.
Neste panorama, Russomano (PRB) conta com apoio da Igreja Universal do
Reino de Deus, Haddad (PT) tem a seu favor a Federação das Associações
Muçulmanas do Brasil, Serra (PSDB) conquistou a chancela dos evangélicos
pentecostais da Assembleia de Deus e da Igreja Mundial do Poder de Deus
(dissidente da Universal) e Chalita (PMDB) tem simpatizantes entre os
pentecostais da Sara Nossa Terra e da Renovação Carismática Católica.
Apesar das diferenças sobre o impacto religioso de forma geral, analistas concordam que as igrejas evangélicas estão consolidadas como uma força política com a qual todos os partidos precisam negociar.
Além disso, a penetração de grupos religiosos na esfera pública
nacional, por meio de canais de televisão, tem aumentado gradativamente.
"As igrejas evangélicas, além de grupo religioso, constituíram uma força
política, vide a bancada no Congresso", diz Maria Teresa Micelli
Kerbauy, cientista política da Unesp (Universidade Estadual de São
Paulo). "Elas querem uma inserção política."
"Só o discurso religioso não é suficiente para ganhar novos adeptos, e
se essa tendência já vinha se manifestando desde a década de 1990, ela
atinge seu boom agora com a eleição de São Paulo", diz a pesquisadora.
Para a estudiosa, a tendência identificada é de uma expansão da base de
fiéis evangélicos e maior penetração dessas igrejas e seus
representantes na política brasileira.
Maria Teresa acrescenta que pode ser um exagero falar em um "projeto
de poder", mas identifica um claro "projeto de participação mais intensa
no sistema político brasileiro, colocando suas demandas".
Entre elas estão a agenda moral conservadora da
bancada em Brasília, contrária ao aborto e à união civil entre
homossexuais e a luta por facilidades na obtenção de licenças de
funcionamento para igrejas.
"É cedo para medir a força da religião no
processo eleitoral, mas que ela está mais presente do que no passado, é
um fato inquestionável", diz Marcia Cavallari, do Ibope Inteligência.
"Como isso vai se dar, se vai ser um fator de influência decisivo, só
poderemos observar com o tempo."
Fonte: www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/10/121004_religiao_eleicoes_jp.shtml
Acesso: 06/10/12
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