Pensamento livre. A alagoana Franqueline, na hora de votar, faz o que manda sua consciência, e não o que o pastor orienta (Foto: Arquivo pessoal) |
Evangélica e nordestina, como se apresenta, Franqueline Terto dos
Santos, de 31 anos, garante: na hora de votar, faz o que manda sua
consciência, não os pastores ou lideranças de sua igreja, a Batista do
Pinheiro, em Maceió. Ela lembra que em 2010, a poucos dias das eleições,
o líder máximo de sua igreja no Brasil, o pastor Paschoal Piragine
Junior, tentou desancar os candidatos da esquerda por meio de um vídeo
que se tornou viral na interne
No episódio, Piragine Junior orientava os crentes a não votar em
candidatos do PT, classificava posições do então governo federal sobre
aborto e homoafetividade como “iniquidade institucionalizada” e dizia
que, caso os cristãos não se posicionassem nas urnas, “Deus iria julgar a
Terra”.
Franqueline, ativista de movimentos sociais como o MST em Alagoas, não
entrou na do pastor. E diz conhecer muitos evangélicos como ela que
também ignoraram os arroubos partidários do líder religioso. O resultado
eleitoral todos sabem. Mas o voto dos fiéis é cada vez mais alvo da
sanha política. Principalmente após recente divulgação do Censo 2010:
eles já somam 22% da população no país, um expressivo contingente de 42
milhões de pessoas.
Os números podem ser medidos por meio do crescimento da participação na
política partidária. A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso
Nacional, composta por 70 deputados federais e três senadores, cresceu
50% em relação à legislatura anterior. “Desde a redemocratização, as
lideranças passaram a trabalhar junto aos fiéis para que essa ‘tradução’
ocorresse. As elites evangélicas agiram no sentido de conquistar
eleitores dentro de suas igrejas”, observa o cientista político Tiago
Daher Padovezi Borges, da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Borges, embora os evangélicos não se alinhem com uma visão comum
de economia ou política, as lideranças conseguem mobilizar eleitores
por meio de visitas às igrejas e da influência dos pastores. “A relação
entre pastor e fiel existe, mas não é imediata. Os fiéis não votam de
uma maneira cega com o pastor”, acredita.
Elienai: “Muitos pastores não têm uma visão política decente. Para eles, o parlamentar é um despachante avançado da instituição" (Foto: Gerardo Lazzari/RBA) |
Ainda assim, a atuação parlamentar dos evangélicos tem sido contestada.
Dados organizados pela ONG Transparência Brasil revelam que 32 deputados
federais da Frente Parlamentar Evangélica, ou seja, quase metade,
sofrem processos de sonegação fiscal, formação de quadrilha, peculato,
corrupção eleitoral, improbidade administrativa e rejeição das contas de
campanha. Nesse caso, justiça seja feita, o percentual é elevado, mas
ainda abaixo da média do Congresso, onde 63% dos parlamentares estão em
litígio com os Tribunais Regionais Eleitorais.
Relação perigosa
Na opinião de Elienai Cabral Junior, liderança da igreja evangélica
Betesda e pastor na zona leste de São Paulo, o pastoreio não combina com
política partidária, já que instrumentaliza um valor que não é inerente
a outras forças políticas.
“O líder religioso possui uma aura mística que lhe é dada pela
comunidade. Sua palavra tem um peso revestido de sacralidade. Se ele a
usa para outros fins que não o sacerdócio, corrompe sua vocação, que é
desinteressada. O sacerdócio tem de ser um exercício desprovido de
qualquer troca”, sustenta.
Elienai já vivenciou a estranha relação entre igrejas e parlamentares.
Na década de 1990 trabalhou no escritório do deputado distrital Peniel
Pacheco (PDT-DF). Evangélico e próximo às lideranças de diversas
igrejas, o político era constantemente procurado para as mais diversas
solicitações. “Pediam cópias de cartazes para eventos, camisetas, lotes
de terreno e até pão e salsicha para as festas das igrejas. Sempre
dizíamos que o gabinete não dispunha de verbas para esses fins, o que
contrariava bastante pastores e líderes”, conta.
Numa dessas ocasiões um pastor de uma grande igreja de Taguatinga,
cidade-satélite de Brasília, procurou o gabinete em busca de passagens
aéreas para um congresso religioso. Como não conseguiu, conforme lembra
Elienai, o líder se indignou e foi atrás de outros deputados distritais.
“Pouco tempo depois ele passou novamente exibindo os talões e
disparando ameaças, tais como ‘o deputado não quer mais ser eleito, é
isso?’”
Para o pastor da Igreja Betesda, trata-se de um “mau exemplo” em que os
próprios evangélicos atuam para corromper os políticos. “Muitos pastores
não têm uma visão política decente. Para eles o parlamentar é um
despachante avançado da instituição.”
Levi: tempo de eleição é propício para a igreja promover debate, contribuir com informação e com formação
(Foto: Fernanda Salviano)
|
Debates no templo
Filho
de metalúrgico e nascido em Santo André, o pastor Levi Correa de Araújo
sente falta da época em que sua antiga igreja organizava debates com
políticos e gestores públicos no ABC Paulista. “Foi uma extraordinária
experiência pedagógica, de formação e informação sobre política,
política partidária e políticas públicas.” Era 2002 e Levi, então
envolvido na organização das Conferências de Direitos Humanos de Santo
André, atuava na Primeira Igreja Batista da cidade.
O que começou como
um protesto contra o antigo vício de uso do ambiente religioso como
curral eleitoral, questionando a máxima “irmão vota em irmão”,
transformou-se em espaço em que representantes do poder público
prestavam esclarecimentos dentro da nave da igreja.
Com a proximidade das eleições, Levi teve a ideia de convidar candidatos
ao governo estadual e os presidenciáveis. O então candidato Luiz Inácio
Lula da Silva esteve por lá, acompanhado à época pelo senador
norte-americano e ativista pelos direitos humanos Jesse Jackson e por
intelectuais como o teólogo Leonardo Boff. A organização de debates e
outras atividades de reflexão continuou por mais um ano, quando Levi,
por motivos pessoais, deixou o pastoreio daquela igreja.
Em 2003, ele levou famílias de militantes do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto para uma refeição no templo. Depois, na madrugada, seguiram em
direção a um terreno que estava sob controle da empresa Volkswagen, na
Vila Ferrazópolis, em São Bernardo do Campo. Junto dele estava o
militante, professor universitário e pastor presbiteriano Hélio Sales
Rios. “Ocupamos aquela área e fazíamos cultos todos os dias,
participando inclusive das assembleias”, relembra.
Hélio: “Quando um cristão conhece a luta dos movimentos sociais e dos trabalhadores. não tem como ficar indiferente”
(Foto: Arquivo pessoal)
|
Em pouco tempo Hélio, que também é diretor no Sindicato dos Professores
do ABC, foi “despojado administrativamente”, eufemismo para exclusão do
ofício pastoral. “Disseram-me que a igreja não concordava com minha
atuação junto aos movimentos sociais.” Um preconceito que nunca abalou a
fé do pastor. “Minha opção pela esquerda, pelo socialismo e pela
revolução veio da consciência cristã e bíblica.
Foi a minha
espiritualidade que me levou para os movimentos sociais.” Hélio lamenta
que muitos evangélicos estejam “alienados” diante dos acontecimentos.
“Assim como toda a sociedade, os crentes também ‘bebem’ as informações
vindas de Veja, Globo, SBT, Bandeirantes, Estadão, e por aí vai. Tenho
certeza que quando um cristão conhece a luta dos movimentos sociais e
dos trabalhadores não tem como ficar indiferente.”
‘Cabra marcado’ lia a Bíblia e também jornais
Um dos principais líderes camponeses do país, João Pedro Teixeira, fundador da Liga Campesina de Sapé, na Paraíba, foi assassinado no dia 2 de abril de 1962.
Sua história de luta pela reforma agrária ficou conhecida dentro e fora do país por meio do documentário Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho.
Um dos principais líderes camponeses do país, João Pedro Teixeira, fundador da Liga Campesina de Sapé, na Paraíba, foi assassinado no dia 2 de abril de 1962.
Sua história de luta pela reforma agrária ficou conhecida dentro e fora do país por meio do documentário Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho.
João Pedro Teixeira começou
sua luta sindical nos anos 1950, quando se converteu ao protestantismo
na Igreja Presbiteriana. Lia a Bíblia e também os jornais, e não se
conformava com o flagelo da população do campo.
O líder camponês foi
morto numa emboscada a caminho de sua casa.
Antes, já havia sofrido diversas ameaças de morte por latifundiários. Na ocasião, o movimento dos trabalhadores de Sapé já contava com 10 mil associados. “Foi alguém que entregou a vida pela convicção de que lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela reforma agrária era cumprir sua vocação cristã e evangélica sem se acovardar”, define o antropólogo Flávio Conrado, pesquisador associado do Instituto de Estudos da Religião, do Rio de Janeiro.
João e a família
Antes, já havia sofrido diversas ameaças de morte por latifundiários. Na ocasião, o movimento dos trabalhadores de Sapé já contava com 10 mil associados. “Foi alguém que entregou a vida pela convicção de que lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela reforma agrária era cumprir sua vocação cristã e evangélica sem se acovardar”, define o antropólogo Flávio Conrado, pesquisador associado do Instituto de Estudos da Religião, do Rio de Janeiro.
João e a família
Bancada heterodoxa
A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) é conhecida por obstruir o debate
de temas como a descriminalização do aborto e das drogas, a educação
religiosa nas escolas públicas e a criminalização da homofobia. Esses
parlamentares também monitoram o que consideram “perigos” iminentes a
suas igrejas, como a intenção declarada do governo de vetar o
arrendamento de horários na TV aberta. Formada por membros de diversas
igrejas e partidos, a bancada corresponde a pouco menos de 14% dos
deputados federais e de 4% do número de senadores – em que pese sua
representação na sociedade ter chegado, segundo o IBGE, a 22% da
população.
De acordo com Eduardo Lopes Cabral Maia, doutor em Sociologia pela
Universidade Federal de Santa Catarina e professor na Universidade
Federal de Santa Maria (RS), é difícil medir o quanto a atuação
religiosa no Congresso reforça ou fragiliza o amadurecimento da
democracia. Para Maia, o barulho das bancadas religiosas em temas
polêmicos é maior do que seu tamanho efetivo permitiria. “Os evangélicos
não têm capacidade de determinar os processos políticos. Dependem da
mobilização de outras forças, como os próprios católicos”, explica.
Em sua tese de doutorado, o professor mapeou 944 proposições dos
parlamentares evangélicos durante a legislatura 2007-2010. Separou as
ações por temas e concluiu que apenas 3,9% correspondiam exclusivamente
aos interesses religiosos. A maior parte dos esforços foi para a área
social (66,7%), econômica (10,4%) e de direito do consumidor (7,5%).
Seu interesse nos evangélicos surgiu quando ainda era estudante da
Universidade de Brasília (UnB), em 1998, e assistiu ao duelo entre
Cristovam Buarque e Joaquim Roriz pelo governo do Distrito Federal.
“Roriz atacava Buarque, classificando-o como um comunista ateu.
Mais
tarde obteve o apoio do candidato evangélico Benedito Domingos. O peso
político religioso foi determinante para a vitória de Roriz”, relembra.
“Aquilo aguçou em mim o desejo de observar a força política dos
evangélicos.”
http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/75/comportamento/view
Acesso 18/09/12
0 comentários:
Postar um comentário
Gostou do que encontrou aqui?
Comente este artigo que acabou de ler.
E não esqueça de recomendar aos seus amigos.