O número de evangélicos que não mantêm vínculo com nenhuma igreja cresceu. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, eles passaram de 4% do total de evangélicos em 2003 para 14% em 2009.
Entram nessa categoria tanto pessoas que frequentam cultos de várias igrejas como gente que se afastou de sua denominação de origem, mas não deixou de se considerar evangélica.
Verônica de Oliveira, 31, foi batizada católica e vai à missa aos domingos. No entanto, moradora do morro Santa Marta, no Rio, é vista com frequência também nos cultos das igrejas evangélicas Deus é Amor e Nova Vida.
Quando questionada sobre sua filiação, dispara: "Nem eu sei explicar direito. Acho que Deus é um só".
Em cada igreja, ela gosta de uma característica. Na Católica, são os folhetos distribuídos na missa. Na Deus é Amor, "um pastor que fala uma língua meio doida".
Na Nova Vida, aprecia o fato de lerem bastante a Bíblia
Mais do que trair hesitações teológicas, casos como o de Verônica, de "religiosos genéricos", que não se prendem a uma denominação, crescem nas estatísticas.
Um bom indício do fenômeno surge nos dados sobre religião da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), do IBGE, que pesquisou o tema em 2003 e 2009. No período, só entre evangélicos, a fatia dos que se disseram sem vínculo institucional foi de 4% para 14% -um salto de mais de 4 milhões de pessoas.
Entram nesse balaio, além de multievangélicos como Verônica, pessoas que não se sentem ligadas a nenhuma igreja específica, mas não deixaram de considerar-se evangélicos, em processo análogo ao dos chamados "católicos não praticantes".
A intensidade exata do fenômeno só será conhecida quando saírem dados de religião do Censo de 2010.
No entanto, para especialistas consultados pela Folha, a pesquisa, feita a partir de amostra de 56 mil entrevistas, é suficiente para dar boas pistas do movimento.
O pesquisador Ricardo Mariano, da PUC-RS, reconhece que vem ocorrendo aumento de protestantes e pentecostais sem vínculos institucionais, ainda que ele tenha dúvidas se o crescimento foi mesmo tão intenso quanto o revelado pelo IBGE.
INDIVIDUALISMO
Para ele, a desinstitucionalização é resultado do individualismo e da busca de autonomia diante de instituições que defendem valores extemporâneos e exigem elevados custos de seus filiados.
De acordo com o professor, parte dos evangélicos adota o "Believing without belonging" (crer sem pertencer), expressão cunhada pela socióloga britânica Grace Davie sobre o esvaziamento das igrejas ao mesmo tempo em que se mantêm as crenças religiosas na Europa Ocidental.
Para a antropóloga Regina Novaes, uma pergunta que a pesquisa levanta é se este "evangélico genérico" tem semelhanças com o católico não praticante. Para ela, "ambos usufruem de rituais e serviços religiosos mas se sentem livres para ir e vir".
Diana Lima, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos, levanta outra hipótese: "Minha suspeita é que as distinções denominacionais talvez não façam para a população o mesmo sentido que fazem para religiosos e cientistas sociais. Tendo um Jesus Cristo ali para iluminar o ambiente, está tudo certo".
Os dados do IBGE também confirmam tendências registradas na década passada, como a queda da proporção de católicos e protestantes históricos e alta dos sem religião e neopentecostais.
No caso dos sem religião, eles foram de 5,1% da população para 6,7%. Embora a categoria seja em geral identificada com ateus e agnósticos, pode incluir quem migra de uma fé para outra ou criou seu próprio "blend" de crenças -o que reforça a tese da desinstitucionalização.
Para o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, o que está ocorrendo é um processo de democratização religiosa, "com todos os problemas da democracia".
O maior perdedor é a Igreja Católica, que ficou sem seu monopólio. Segundo Alves, ela vai ceder mais terreno, porque os católicos se concentram nas parcelas de menor dinamismo demográfico.
Já os evangélicos ainda vão crescer muito, garante o demógrafo, pois ganham entre as parcelas da população que têm maior fecundidade.
Outro dado interessante da POF é que aumentou o número dos que declararam uma religião não identificada pelos pesquisadores, o que indica que na década passada mais igrejas surgiram e passaram a disputar o "supermercado da fé", na expressão depreciativa utilizada pelo papa Bento 16.
Por ser amplo, o levantamento permite também identificar, denominação por denominação, o tamanho de cada igreja.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, registrou queda de 24% no número de fiéis. O recuo pode estar relacionado com a criação de igrejas dissidentes.
Ao analisar os números, porém, os pesquisadores consultados dizem que é preciso esperar o Censo para confirmar esse movimento.
Editoria de Arte/Folhapress | |
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, eles passaram de 4% do total de evangélicos em 2003 para 14% em 2009, um salto de 4 milhões de pessoas.
Os dados do IBGE também confirmam tendências registradas na década passada, como a queda da proporção de católicos e protestantes históricos e alta dos sem religião e neopentecostais.
No caso dos sem religião, eles foram de 5,1% da população para 6,7%. Embora a categoria seja em geral identificada com ateus e agnósticos, pode incluir quem migra de uma fé para outra ou criou seu próprio "blend" de crenças --o que reforça a tese da desinstitucionalização.
'Trocas' de igrejas são comuns em favela na zona sul do Rio
Os quase 4 mil habitantes da favela Santa Marta, na zona sul do Rio, têm a sua disposição sete igrejas evangélicas e uma católica dentro dos limites do morro. Nas redondezas, num raio de 500 metros, há outras cinco.
Com tantas opções, é comum encontrar quem frequente mais de uma, tenha trocado várias vezes, ou mesmo famílias em que praticamente cada integrante vai a uma igreja diferente.
"As pessoas hoje se sentem menos presas. Frequentarem mais de uma igreja, sem nenhum problema. Às vezes, escolhem uma de acordo com os serviços que são oferecidos", diz o pastor Valdeci Pereira, 42, da
igreja Batista no Santa Marta.
Segundo ele, apesar de tantas igrejas em busca de fiéis no mesmo local, as relações são amistosas.
Religião também não é problema na casa de Raimunda dos Santos, 33. Seu marido é sem religião, os três filhos frequentam a Igreja Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e ela se declara fiel da Universal do Reino de Deus. Mas, provavelmente, não por muito tempo.
Ela passou a ir aos cultos na igreja dos filhos, e cogita mudar: "Me senti bem acolhida, mesmo eles sabendo que sou de outra igreja. Talvez passe a ir mais lá do que na Universal."
A antropóloga Diana Lima explica que é comum este "trânsito religioso".
"As pessoas podem mudar porque depositam suas esperanças numa nova denominação. Às vezes, trocam porque mudaram de bairro e não encontram a mesma igreja na nova vizinhança. Ou então casam, namoram ou fazem novas amizades com pessoas de outras igrejas", diz a especialista.
Fonte: Folha de São paulo 15/08/2011
0 comentários:
Postar um comentário
Gostou do que encontrou aqui?
Comente este artigo que acabou de ler.
E não esqueça de recomendar aos seus amigos.