Ser otimista pode ser desastroso: a pessoa cria falsas expectativas, subestima riscos e se dá mal.
Mas não pensamos nisso. De acordo com as últimas descobertas da neurociência, somos mais otimistas do que realistas, o que não deixa de ser uma irracionalidade do cérebro.
O lado "dark" do pensamento positivo é objeto de estudo da neurocientista israelense Tali Sharot, que acaba de lançar o livro "The Optimism Bias -A tour of the irrationally positive brain" (o viés otimista, um tour pelo cérebro irracionalmente positivo), sem edição no Brasil.
Certo tipo de atitude esperançosa, tão incentivada pela cultura atual, "pode levar a enormes erros de cálculo e fazer com que as pessoas não façam exames de saúde, não apliquem protetor solar ou não abram uma poupança", disse à Folha Sharot, que é pesquisadora da University College London.
Ela estudou como o viés positivo se forma no cérebro. Para isso, registrou as atividades de voluntários enquanto eles imaginavam eventos futuros e passados.
Descobriu que a maioria das pessoas, cerca de 80%, acha que o futuro será melhor. E muitas delas imaginam cenas hollywoodianas.
"Achamos que não vamos ter câncer, nos divorciar ou perder o emprego. E pensamos que vamos viver até 20 anos a mais do que a expectativa de vida."
É como se as estatísticas não funcionassem em primeira pessoa. A explicação para o viés positivo é evolucionista: sem o otimismo, ninguém atravessaria a rua.
"É uma forma que a espécie encontrou para seguir em frente, enfrentar o presente e fazer a vida correr", diz Roberto Lent, neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para a neurologia, o otimismo é a formação de imagens mentais no cérebro, nas mesmas regiões em que ficam as lembranças.
"A projeção do futuro é, muitas vezes, feita em comparação com o passado", complementa Lent.
Já para a filosofia, o pensamento positivo pode ser visto como uma premissa, segundo Jorge Claudio Ribeiro, professor da disciplina na PUC de São Paulo.
"A fé é a atitude básica da vida humana. Se não temos fé, não comemos fora de casa e não bebemos água, porque pode estar contaminada.
O otimismo vem antes da desconfiança."
Segundo a terapeuta Dulce Critelli, o futuro pauta as ações do presente. "O homem não vive em função do que já foi ou já fez, mas do que pode ser. Marcamos nossas agendas para amanhã. Atravessamos a rua buscando algo que não temos."
O problema (ou o risco) é que só é possível projetar o futuro por meio da fantasia. E daí a perder a mão e ser fantasioso demais é um pulo.
LENTE COR-DE-ROSA
Ser muito otimista é como fugir da realidade, explica a psicanalista Giselle Groeninga, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
"Pode ser um mecanismo de defesa para evitar o sofrimento. A pessoa passa a viver num mundo de fantasia e, muitas vezes, para continuar nesse nível, falseia mais e mais a realidade."
Trata-se de um otimismo não realista, vendido por muitos best-sellers que prometem pílulas de ânimo.
Para Critelli, é como se esses livros se aproveitassem do possível viés otimista descrito pelos neurologistas: quem acredita, compra.
Lidia Weber, psicóloga e professora da Universidade Federal do Paraná, diz que, apesar de ser uma forma de placebo (e placebo pode funcionar), o otimismo de autoajuda é alienante.
"Achar que podemos tudo é muito ingênuo. Podemos acreditar tanto que não faremos nada de fato."
Ela é pesquisadora na área de psicologia positiva, ramo que procura prevenir, e não apenas tratar transtornos mentais.
A psicologia positiva surgiu há mais ou menos duas décadas com o pesquisador americano Martin Seligman. Para ele, o otimismo pode e deve ser aprendido -e isso não é autoajuda, diz Weber.
"O otimismo é fundamental. É como uma vacina contra problemas emocionais. Mesmo com o risco de alienação, prefiro o otimismo em excesso que o pessimismo."
A neurocientista Tali Sharot afirma que grande parte das pessoas pessimistas (das 20% que sobram, já que 80% acreditam num futuro melhor) poderiam ser diagnosticadas com algum transtorno de humor. Mas, mesmo assim, ela acredita que até essas podem ter algum viés positivo.
SUICIDAS
Não há otimismo sem pessimismo, lembra Ribeiro. "Quem tem fé, tem dúvida. O otimismo se torna menos bobo se for provocado."
Paulo de Tarso Lima, médico que atua na área de medicina integrativa e trabalha com pacientes que sofrem de câncer, reconhece que um pouco de pessimismo é fundamental no tratamento de doentes crônicos.
"Estar conectado com a realidade é a base do tratamento. Otimismo em excesso pode ser tão prejudicial quanto pensamentos negativos."
Na psicanálise, pessimismo e otimismo são complementares. "Fazem parte da nossa leitura da realidade. Oscilamos entre os dois lados", afirma Groeninga.
Neste contexto, ser pessimista deve ser entendido como ser realista, e não como desejar coisas ruins.
A filosofia também vê um lado bom no pessimismo e inverte a lógica pela qual o pensamento positivo é vendido como o segredo do sucesso.
Ao contrário: se formos menos otimistas, conseguiremos viver melhor, explica Deyve Melo dos Santos, professor de filosofia da Universidade Federal da Paraíba.
Ele estudou a obra do romeno Emil Cioran (1911-1995). Para Cioran, são os otimistas que se suicidam. O pessimista não tem por que se suicidar, ele já sabe que o mundo não é bom. O otimista imagina um mundo perfeito e, quando acontece uma tragédia, ele não aguenta.
Pensar coisas ruins pode, então, baixar as expectativas.
"A realidade é uma só e é essencial para o futuro. Digo isso aos pacientes. Eles ficam melhores quando não pensam nem no pior nem no melhor", diz Lima. Difícil é conseguir isso.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Fonte: Folha online 12/07/11
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