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A família do pastor


                                                                                                                               
                                                                                                                                    Osmar Ludovico

É comum encontrarmos líderes e pastores evangélicos vivendo duas realidades bem distintas uma da outra. De um lado um ministério público bem sucedido e conhecido, por outro uma vida familiar e afetiva fragmentada e desestruturada. Por trás de pastores queridos e admirados por suas congregações, sofrem esposas mal-amadas e filhos carentes.

A fé cristã, em especial para os pastores, tem se tornado institucional, pragmática, técnica, racional, ativista e profissional. Quando isto acontece, olhamos somente o desempenho e os resultados do ministério e nos distanciamos dos vínculos, da intimidade, dos afetos e da relacionalidade.

Famílias não são perfeitas. Sabemos que existe um ideal e uma busca por santidade que não podem ser menosprezados na caminhada de fé, no entanto, uma ênfase numa vida sem falhas, sem derrotas, sem sofrimento, contrasta com o relato bíblico dos homens que Deus usou. Ser uma família extraordinária, feliz o tempo todo e sem problemas é um fardo difícil de suportar e tem dois destinos previsíveis: a frustração e desilusão ocasionadas pelo abismo entre o discurso e a prática, ou então a hipocrisia e a espiritualização que escondem e disfarçam o erro. E como é difícil para os pastores exporem seus erros e suas fraquezas. Sem ter com quem compartilhar, suas crises e problemas tendem a fi car mais agudos e ao mesmo tempo mais escondidos e camuflados.

A família de um pastor é também humana, sujeita aos desencontros, às crises pessoais e relacionais. Pastores não vivem emocionalmente bem as vinte e quatro horas do dia, sete dias por semana. Esposas de pastores não possuem todos os dons e virtudes e seusfi lhos não se comportam de maneira perfeita o tempo todo.

Basta ser uma família comum, humana, capaz de celebrar, afirmar e nutrir o que há de bom, aceitando, perdoando e sendo paciente com suas ambigüidades e ambivalências. Família que reflita a graça de Deus, onde a exigência da perfeição, com seu legalismo acusador e cobrador, dê lugar ao amor paciente e benigno e ao perdão restaurador e terapêutico.

São muitos os pastores cuja fidelidade à Palavra, zelo por Deus, entusiasmo na sua vocação e dedicação ao ministério são dignos de apreciação e reconhecimento. Tornam-se, no entanto, desprovidos de amor e de carinho, e sua esposa e filhos sofrem não somente com suas prolongadas ausências, como também pela pobreza de suas demonstrações de afeto e ternura.

O resultado é uma separação entre o ministério público e a família. Muitas pregações, muitas viagens, muitas platéias, muitos compromissos eclesiásticos e ao mesmo tempo um distanciamento gradativo e progressivo da experiência de uma alma apegada a Deus numa relação de afeto, de amor e de intimidade. E como conseqüência também um distanciamento gradativo e progressivo da experiência de uma relação familiar baseada no vínculo, na ternura, no respeito, na admiração e na comunhão.

O itinerário espiritual mais difícil de nossas vidas de pastores é o que vai do isolamento e do ativismo à comunhão com Deus, conosco mesmo e com o próximo. Para sermos reconhecidos, admirados e aceitos, mergulhamos no afã pragmático de encher nossas igrejas e manter o povo animado e ativo. Quanto mais atividade e mais agitação, mais nos tornamos estressados e impessoais. Vivemos nossas vidas no ativismo religioso e nos tornamos maridos cansados e calados para nossas esposas e pais ausentes e indisponíveis para nossos filhos. O pastor bondoso e dedicado que a igreja conhece não combina com o marido e o pai em casa. Famílias que sofrem, e sem contexto para se abrirem, escondem suas frustrações sob máscaras de desempenho religioso.

É o Espírito Santo que nos leva a ter a coragem de sair de nossos pedestais e papéis religiosos para reconhecer que temos relegado nossas famílias ao segundo plano. Nossas esposas e nossos fi lhos têm se tornado tão simplesmente coadjuvantes de uma peça onde nós, pastores, somos as estrelas que brilham. Arrependimento é a desconstrução desta maneira irreal de viver e a coragem para buscar o amor, a intimidade, o afeto e vínculo, restaurando de forma saudável a relação marido/esposa e pais/filhos.

Fonte: Revista Enfoque/ Edição n°85
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